Neste dossiê, nos propomos a reunir textos que falem ou deixem falar através de sua própria economia de imagens/conceitos êmicos sobre a noção de pessoa em diálogo com as formulações de gênero. Aqui, se vinculam não apenas trabalhos no campo da etnologia indígena, mas também buscamos navegar nas/ pelas experiências de transformação da pessoa e do gênero em contextos urbanos e indígenas, nas suas mais diversas manifestações: desde atos de captura pelo outro, transformação humano/animal, predação da diferença até as práticas rituais de religiosidade e no xamanismo ameríndio. Interessa-nos compreender como a pessoa é construída e refeita mediante certas práticas e em contextos relacionais distintos. Como resultado, os oitos textos que reunidos no dossiê que compõe a presente edição da Revista Wamon abordam principalmente os corpos, aspecto êmico que amarra povos de diferentes localizações etnográficas na Mesoamérica e nas terras baixas: as práticas de cuidado num caso de adoecimento e abandono entre as comadres nahua na Serra Norte de Puebla (México); a construção da pessoa através de resguardos, nominação e fixação da alma no corpo entre os Assuriní no Pará; o preparo intracorpóreo e os treinos diários para formar as cantoras e cantores dos povos timbira no Tocantins e Maranhão; o relato mítico-cotidiano de manejo dos ânimos no plantio das roças entre as mulheres kawaiwete-kaiabi no Xingu (Mato Grosso); e o fazer político e gênero entre os Kaiowá (Mato Grosso do Sul) a partir das andanças do casal demiúrgico Ñande Ramõí e Ñande Jarý. Além destes cinco textos que articulam as narrativas êmicas com a literatura etnológica pela etnografia, há três artigos que partem de contextos de contato: quando os espíritos xapiri dos Yanomami se imiscuem ao acervo de nossas bibliotecas e alertam para o futuro, contudo persiste a dúvida: será que no cenário atual de pandemia e mortes diárias pelo COVID-19, estamos prontos para ouvir e levar a sério a mensagem de Davi Kopenawa em “A queda do céu”? Noutro artigo, o tema é sobre o encontro-encantaria entre o boi-bumbá Caprichoso com às águas dos rios Negro e Solimões através do corpo híbrido de Dinahi, ser metade serpente/metade mulher que se performatiza no Festival de Parintins (Amazonas). Já no Triângulo Mineiro, vemos o complexo funerário dos Jê Meridionais, com ênfase no etnônimo Cayapó, a partir de um olhar etnohistórico sobre este povo que habitava o Sertão da Farinha Podre (MG). A diversidade de lugares e contextos indígenas que vai desde Puebla, no México, até povos habitantes do centro-sul do Brasil, se desdobra também na formação e filiação institucional das/os autoras/es. Contamos nesse dossiê com autoria de: três doutores/a em Antropologia (UFSC, UFAM, Unicamp); um doutoran-
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