[(Inter)disciplinary spaces: Food/Nutrition/Health/Public Health].

Maria Lúcia Bosi e Shirley Prado apresentam um texto instigante e necessário, pelos dilemas que levanta em face da questão de situar a Alimentação/Nutrição no vasto campo do conhecimento e da ciência, especialmente porque remete a relações que são caras à epistemologia e à história da ciência, tais como individual/coletivo, natural/social/cultural, objetividade/subjetividade, estrutural/relacional, estrutura/campo. Em realidade, estas relações estão presentes, há algum tempo, nos estudos sobre a Alimentação/ Nutrição. Ao mesmo tempo, as autoras refletem sobre a questão, analisando um campo já constituído em sua especificidade, mas também como um campo que se projeta em várias direções, notadamente a da Saúde Coletiva, buscando um outro espaço e uma outra identidade. Ao iniciar estes comentários, lembro-me de Fischler, sociólogo da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales/Paris, que, ao analisar a relação do alimento na criação e sustentação da identidade individual e coletiva, oferece alguns argumentos centrais para estes comentários. Ele aponta que as relações humanas com o alimento têm um caráter multidimensional, mas que enquanto as ciências sociais, após negligencirem a área por um longo período, estavam descobrindo o alimento e a alimentação como um campo de pesquisa e reclamaram a sua posse em nome do relativismo cultural, pesquisadores em psicologia experimental, fisiologia, antropologia física e nutrição estavam ocupados em analisar o relacionamento humano e alimento em termos de comportamento, regulação metabólica e exigências nutricionais. Este enunciado situa uma primeira questão, o paulatino interesse da sociologia para entender e explicar, pelo funcionalismo, estruturalismo ou construtivismo, os mais diversos aspectos da alimentação. Lépine aponta que foi somente na década de 1970 que a alimentação começou a desper1 Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. evernunes@uol.com.br tar o interesse da antropologia médica, da etnomedicina, da antropologia da saúde e da doença, e que nasceu uma antropologia da alimentação, citando o pioneirismo de Lévi-Strauss e Gilberto Freyre. É interessante que, em relação aos campos de conhecimento, há dentro da antropologia duas áreas: antropologia da nutrição e antropologia da alimentação; a primeira, de forma geral, tem como foco as implicações da ingestão alimentar, alimento como portador de nutrientes, status nutricional etc., em que as teorias e os métodos procedem da biologia e das ciências sociais; a segunda tem como alvo o significado social e cultural do alimento e do comer. Assim, de uma forma bastante genérica, podese dizer que da formulação básica de Lévi-Strauss – a alimentação como uma linguagem e seu triângulo culinário (cru-cozido-podre) – a Jean-Pierre Poulain com o espaço social alimentar, verifica-se a ampliação crescente dos trabalhos que centralizam os enfoques sociais e culturais (para uma revisão que enfatiza o debate teórico, ver Mintz e Du Bois, e para uma revisão detalhada sobre a antropologia nutricional, ver Roos). Como escrevem Poulain e Proença, Pensar a alimentação a partir das Ciências Sociais supõe a superação de certos obstáculos epistemológicos que fundamentam as posições teóricas das origens dessa disciplina: o positivismo e a autonomia do social. Esses autores assumem que o espaço social alimentar deve ser visto como “um objeto social total”, no sentido dado por Marcel Mauss. Assim, o conceito de espaço social designa o espaço de liberdade (dos “comedores” humanos) e a zona de imbricação entre os condicionantes fisiológicos-culturais-ecológicos. A análise da questão das dimensões sociais (que podem se referir, conforme Poulain e Proença, à ordem do comestível, ao sistema alimentar, ao espaço culinário, ao espaço dos hábitos de consumo alimentar, à temporalidade alimentar) conduz à percepção de que na Alimentação/Nutrição a interdisciplinaridade tem caminhado no sentido de análises integrativas e não somente complementares e de inter-relações entre os campos de conhecimento. Retoma-se, na minha opinião, o que a escola dos Annales propunha quando dizia: A alimentação pode servir como um indicador de fenômenos sociais mais amplos (não apenas que os hábitos ali1 8

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